sexta-feira, 30 de julho de 2010

...DESEDUCAR É MAIS FÁCIL - Osvaldo Lima

EDUCAR NÃO É UMA TAREFA SIMPLES.
DESEDUCAR É MAIS FÁCIL!
( por Osvaldo Lima)
AVISO: esse é um pequeno desabafo depois de um dia daqueles... não fiz qualquer correção ortográfica...saiu como chegou: no pulsar da emoção!


Educar não é uma tarefa simples, pois está diretamente relacionada com o processo de construção de nossa humanidade. Por sua vez, esse processo de construção está intimamente associado ao nosso desejo por felicidade. A escola é o lugar da felicidade. Não por nela encontrarmos a felicidade. É que nela os indivíduos descobrem possibilidades de vida. Estudamos os diversos feitos dos homens na história da humanidade. Estudamos os homens das artes, os homens das letras, historiadores, filósofos, sociólogos, matemáticos, físicos, químicos, biólogos... É muita gente; são muitos feitos realizados; é muita vida vivida na tentativa de construir nossa humanidade. Apreendemos e suspiramos com eles a desejar construir uma vida mais significativa, uma vida que faça sentido e que nos tornem felizes. Não há como negar: o homem almeja a felicidade. O problema é que nem sempre percebemos que a felicidade está presente na construção de nossa humanidade. Nossa visão é limitada ao nosso umbigo, ao aqui e agora. Ou, em alguns casos, a um futuro incerto.
A escola é um ambiente propício para discutir nossa felicidade, pois é nela, depois do ambiente familiar e religioso, que encontramos um maior número de pessoas em busca da felicidade. O problema é que, em nome do progresso tecnológico e científico, as escolas estão formando cada vez mais especialistas em vestibulares, em concursos... Só esqueceram em formar seres humanos felizes. É só perceber que a felicidade não está inserida nos currículos escolares, nem nos conteúdos dos componentes curriculares, das disciplinas. Fala-se muito em “vida ética”, mas não tocamos no assunto da felicidade. Talvez seja por isso que alguns pais, em nome da “ética”, aprenderam a cumprir seu papel educativo baseados na “ética social” dos índices, dos dados estatísticos: aprovação nos vestibulares, IDEB, concurso, etc. Afinal, se seus filhos não conseguirem uma boa colocação no mercado de trabalho, poderão virar dado estatístico na lista dos desempregados, flagelados, excluídos pela “ética social”.
Sendo assim, DESEDUCAR É MAIS FÁCIL! Parece que a cada dia nossa existência se reduz ao fazer para ter. Determinada pelo que a sociedade, mesmo sem consciência do que quer, impõe como modelo de felicidade. O que é ser feliz? A resposta é simples e aparece em primeiro lugar nas pesquisas: “ser feliz é ter um automóvel, uma casa ou um apartamento, um bom salário, viajar bastante”. Infelizmente, é a partir dessas respostas que começam a surgir os pré-conceitos sociais e as síndromes de inferioridade. De um lado ficam aqueles que não podem usufruir desses bens e, por outro lado, os que tudo podem no dinheiro que os sustentam. Abandonamos nossa natureza, nossos valores, nossa dignidade. Preferimos, por muitas vezes, reprisar a vida das pessoas que fazem “sucesso” por ter. Essa idolatria diluiu o significado do existir.
A escola é o lugar onde desenvolvemos nossas capacidades intelectuais e nossas habilidades manuais na tentativa de ajudar-nos a construir nossa humanidade. Por isso, a escola é lugar de aprender. Porém, em alguns casos, parece que se esqueceram dessa missão. Reduziram a escola ao conteudismo das verdades que caem nas provas e vestibulares da vida. Fico aqui a pensar: o que seria de nós se engolissemos como “verdades” somente o que os cientistas afirmaram? “Verdades” científicas do passado deixaram de ser “verdades” hoje. Mas o que seria de nós se apenas seguíssemos essas “verdades”? A existência do mundo seria relativa ao que cada teoria afirma?!?

Escola é o local do desenvolvimento cognitivo, mas, também deveria ser o ambiente do desenvolvimento da autonomia, de trabalhar nossas capacidades de se autogovernar. Precisamos desenvolver nossa autonomia. Escola é lugar de aprender, mas aprender a ser autônomo. Reconhecer sua autonomia é o primeiro passo para reconhecer e valorizar a nossa existência e a existência do outro. É ela a responsável pela força para buscar possíveis e novas alternativas de vida. É pela autonomia que aprendemos a ser. Precisamos dar tempo para o desenvolvimento da autonomia. Internet, televisão, música são novidades da tecnologia que tem um papel fantástico na tentativa de facilitar nossas vidas. Mas sem autonomia, ficamos reféns deles.

Brincar é uma forma de desenvolver nossa autonomia. Descobrimos através das brincadeiras regras, limites, respeito à presença do outro. Existe toda uma lógica da aprendizagem escondida por detrás de uma brincadeira. Brincar é necessário. Ouvir história é brincar. Brincar também é um processo de aprendizagem. Para aprender a se humanizar, a sonhar é necessário brincar. Brincar é ensaiar e discernir a vida. Infelizmente, retiraram da escola esse momento. Coibiram as práticas de brincadeiras que ajudavam os indivíduos a crescerem como pessoa. Tanto que encontramos alunos nos últimos anos de estudo sem decidirem ainda o seu futuro. Não permitiram que eles sonhassem ou se imaginassem como médicos, policiais, professores, bombeiros... No passado era comum sonhar e projetar o nosso futuro. Hoje, mataram nossos sonhos, impuseram o sonho de ganhar dinheiro. Dinheiro e felicidade são conquistados com autonomia, mas precisam ser orientados pelo desejo de felicidade. Pelo santa ansiedade de ser feliz.
Pois é: EDUCAR não é uma tarefa simples, DESEDUCAR é mais fácil!

terça-feira, 13 de julho de 2010

METÁFORAS DE UM SONHADOR - Osvaldo Lima


Lá estava ele,
sangrando sem parar,
procurando seu caminho.

Lá estava ele,
marcado pelo olhar,
revelando seu sorriso.

Lá estava ele,
aprisionado pelo amor
cercado pelo seu próprio destino.

Lá estava ele,
Sonhando acordado,
como se fosse um menino.

Lá estava ele,
Perdidos nas metáforas do pulsar
que só nos sonhos revelam seu fascínio.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

DA UTOPIA À PRESENÇA - Luigi Giussani

Notas de um diálogo de Luigi Giussani com um grupo de universitários. Riccione, Itália, outubro de 1976

O trabalho é o colocar-se da nossa identidade dentro da materialidade do viver. A minha identidade, enquanto penetra a materialidade do viver, ou seja, enquanto está dentro da condição existencial, trabalha e me faz reagir. Se estou guiando um carro e estou com pressa e no meio da rua há uma pedra, que não permite que eu passe, eis que a minha “identidade de motorista” se torna trabalho: estaciono, pego a pedra e a removo.

Se esta é a primeira coisa a dizer, ou seja, que o método é colocar a nossa identidade e afirmar aquilo que carregamos conosco, a segunda coisa a dizer é que todo o resto vem depois.

O escopo pelo qual ir à universidade é o de colocar dentro da universidade a nossa comunhão. O resto virá depois. “Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 7, 33). Então somos cheios de ironia e de bom humor, porque todas as tentativas de expressão da nossa comunhão que nascem como conseqüência são frágeis, reformáveis, mutáveis. Se o escopo de qualquer ação é a presença do que somos, tornamo-nos livres da inevitável pretensão das formas que a nossa ação assume. A presença “age” por tentativas irônicas, não cínicas; a ironia é o contrário do cinismo, porque faz com que participemos da coisa, mas com um certo desprendimento - reconhecendo a sua fragilidade - e com paz, porque é cheia de paixão pelo Ideal imanente. Assim, podemos ser ágeis para mudar amanhã aquilo que fizemos hoje, livres daquilo que fazemos e das formas que necessariamente damos às nossas tentativas.

O trabalho na condição universitária deveria ser globalmente a redefinição da tarefa que a universidade tem e pela qual vive. Esse trabalho depende do modo com o qual a nossa presença pode “atacar”, no sentido químico da palavra, a universidade naquilo e por aquilo que a universidade é: o estudo, a didática, os relacionamentos, a administração, a atividade política, etc. Será preciso uma longa história - como aconteceu com o cristianismo, que esperou séculos e séculos para formar as universidades - para que amadureça essa redefinição. Mas o nosso programa é a presença daquilo que somos, porque o nosso programa é para o presente. Será uma longa história, que, tirando as conclusões e as articulações da nossa fidelidade, dará a capacidade, a certo ponto, de reformular uma imagem: acontecerá a seu tempo, sem uma pretensão árida e desgastante, nervosa ou impaciente.

O nosso programa é a presença daquilo que somos: um pedaço de humanidade permeada por Cristo, um povo novo que caminha, atravessado pela energia que ressuscitou Cristo. É essa energia - que se chama Espírito - que está vibrando na história e que a leva, a partir de dentro, rumo ao seu destino, que é a manifestação total de Cristo (e só nós somos predestinados a ver os seus sinais).

Mas o que é a universidade, senão a expressão crítica e sistemática de uma experiência de povo, ou melhor, de uma experiência social? A nossa presença colabora para reformular a universidade justamente afirmando e aprofundando, na paciência do tempo, a sua realidade de povo novo. Nesse trabalho, toda presença e a presença de cada um é um fator de cultura, ou seja, um fator de mobilização na história e no tempo para a reformulação das coisas: mesmo uma presença balbuciante e frágil como capacidade de ação, inexpressa ou incapaz de se exprimir teoricamente e como discurso, mesmo a presença do mais psicologicamente pobre entre nós, é útil.

A universidade de hoje é a expressão crítica e sistemática de uma experiência de sociedade atéia, profundamente contrária a Cristo e ao senso religioso que é a alma de todo homem. Por isso, se o nosso programa é tornar presença o povo novo que somos, a nossa unidade e a nossa fé, nós não poderemos vencer, seremos marginalizados em todos os sentidos. Mas isso não tira a possibilidade daquela coragem alegre e irredutível que é a fé: “Essa é a vitória que vence o mundo: a fé”. Nós temos consciência disso porque esta vitória já está dentro de nós: o sinal dela é essa unidade que o mundo não consegue eliminar, que o nosso mundo tão esperto não consegue frear.

Indo adiante, desenvolveremos as implicações desta direção dada ao trabalho. Mas o ponto de partida não é um discurso, um projeto ou um esquema organizativo, e sim uma realidade nova e presente, na qual vive o desejo iluminado e o coração do humano (não importa se somos cinco ou quinhentos).

Tudo está nesta Realidade que carregamos em nós; ai de nós se não nos ajudarmos com toda a alma a trairmos o menos possível de agora em diante.


(Luigi Giussani é fundador do movimento Comunhão e Libertação. Site Oficial: www.cl.org.br)

AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS - Bertolt Brecht



É verdade, eu vivo num tempo sombrio!
Uma palavra sem malícia é sinal de tolice.
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ri
Ainda não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
Falar sobre árvores é quase um crime
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que atravessa a rua tranqüilo
Já está inacessível aos amigos
Que passam necessidades?

É verdade: eu ainda ganho bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso.
Nada do que faço
Me dá o direito de comer quando tenho fome.
Estou sendo poupado por acaso.
(Se a minha sorte me deixa, estou perdido.)

Me dizem: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que eu posso comer e beber
Se a comida que como, tiro de quem tem fome?
Se a água que bebo, faz falta a quem tem sede?
Mas mesmo assim, eu como e bebo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Se manter afastado dos conflitos do mundo
E passar sem medo
O curto tempo que se tem para viver;
Seguir seu caminho sem violência;
Pagar o mal com o bem;
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim!
É verdade, eu vivo num tempo sombrio!

Eu vim para a cidade no tempo da desordem
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a Terra.

Eu comi o meu pão no meio das batalhas.
Para dormir, eu me deitei entre os assassinos.
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a Natureza.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.

No meu tempo as ruas conduziam ao lodo,
E as palavras me denunciavam ao carrasco.
Eu podia muito pouco, mas o poder dos patrões
Era mais seguro sem mim, espero.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.

As forças eram limitadas.
O objetivo permanecia a uma longa distância.
Era nitidamente visível, mas para mim
Quase fora do alcance.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.

Vocês, que vão emergir
Das ondas em que nos afogamos.
Pensem, quando falarem das nossas fraquezas,
Dos tempos sombrios de que tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através das lutas de classes,
Mudando mais de país do que de sapatos,
Desesperados quando só havia injustiça
E não havia revolta.

Nós sabemos:
O ódio contra a baixeza
Também endurece o rosto;
A cólera contra a injustiça
Também faz a voz ficar rouca.
Infelizmente nós,
Que queríamos preparar o terreno para a amizade,
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.

Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o Homem seja amigo do Homem,
Pensem em nós
Com simpatia.
(Tradução de Fernando Peixoto)

CULTURAL E INDÚSTRIA CULTURAL - Osvaldo Lima

A cultura constitui um elemento primordial no processo formativo da humanidade. É através da cultura que são manifestadas a busca dos povos por sentidos para sua existência. Ela é expressão dos anseios, temores, esperanças e perspectivas da humanidade em seu percurso histórico. A cultura representa todo processo que possibilita ao homem sua inserção na história à procura de sua humanização. Somente através da cultura é que o homem pode identificar-se diante do contexto em que ele vai descobre humano, manifestando e configurando sua própria história. Sendo assim, a questão cultural conduz o homem a um reencontro com nossa própria existência, onde há sempre um convite aberto para mergulhar nesta intrigante aventura.


Todavia, como compreender a complexidade da existência sem uma estrutura que favoreça tal desenvolvimento para a questão? Como buscar elementos que possibilitem a construção de um sentido para a vida se há um leque de opções, muitas vezes sem fundamentação, sem um esclarecimento sobre a questão?



Diante destas questões emerge um espaço de diálogo com as concepções de Theodor Wiesengrund-Adorno, filósofo frankfurtiano, que apresenta uma série de críticas ao modo como o homem pós-moderno é modelado, incapacitando-o de decidir, de escolher seu próprio caminho. Para Adorno, esta condição seria resultante da relação ambígua entre o homem e os avanços tecnológicos, estando as pessoas resignadas à escravidão de sua própria criação tecnológica.



Numa época em que se consome tudo pronto e, parcialmente, digerido, as transformações advindas com o fenômeno do avanço tecnológico e da industrialização incorporaram na sociedade não somente novos recursos – seja o rádio, o cinema, a televisão, o computador ou a internet –, mas também constituíram uma nova forma de representação do mundo. Por certo, não podemos negar que a formação cultural de nossa sociedade está hoje mediada por essas tecnologias da comunicação e informação, que oferecem um labirinto de signos e valores que são absorvidos e incorporados, muitas vezes, de forma acrítica pela população.



Torna-se necessário analisar e compreender como estas novas tecnologias passaram a intervir no processo de formação da sociedade, bem como, quais foram suas influências dentro deste contexto. A propósito, tomando o cinema como exemplo, este trouxe para o âmbito social uma cadeia de interações entre imagens, sons e movimentos, que não somente reproduzem a vida, mas que são propositores de situações, de sentidos, de conhecimento, ou seja, de uma cultura. Ao interferir e alterar os modos e meios de produção de bens – materiais ou simbólicos – estas revoluções tecnológicas acirram ainda mais as contradições ideológicas estruturais do modelo econômico ocidental. Passaram a introduzir novos paradigmas sociais, afetando os hábitos, o comportamento da sociedade. Alteraram o modo de interpretar e representar os elementos da realidade. Propuseram novas possibilidades de manter suas relações sociais. Diante destes fatores, nota-se que a sociedade se vê diante de uma séria problemática: como transitar por estas novas linguagens de forma a potencializá-las para o seu próprio benefício?



Essa condição da sociedade atual é retratada por Adorno naquilo que ele denomina de uma Indústria Cultural. A Indústria Cultural se caracteriza por ser um poderoso sistema de representação que conjuga múltiplas linguagens, em seus mais diversos níveis de complexidade, que interagindo com a arte, com a ciência e com a tecnologia, foram dispostas como instrumentos a serviço da máquina capitalista. Conforme os estudos de Adorno, na sociedade tecnológica, pós-moderna, os meios de comunicação tornam-se uma grande força alienante. Através dela o sistema impõe valores e modelos de comportamento, criando necessidades e estabelecendo uma linguagem. Os indivíduos tornam-se meros consumidores, passivos diante desta força, que tende a não estimular a criatividade e nem elevar à emancipação de cada homem. Ao submeter o indivíduo a um modo de vida melhor, a Indústria Cultural, conforme este pensador, não vincula propriamente uma ideologia: ela própria é uma ideologia, passando a ser fundamental para a perpetuação do sistema.



Este mecanismo alienador proporcionou um estado de barbárie social e que, a cada instante, distancia o homem de suas questões existenciais, afirma Adorno. Sendo assim, esta nova significação atribuída à cultura é que proporcionou um grande empecilho que distancia o homem das principais questões que perpassam a sua própria existência. Para Adorno, é através da Indústria Cultural que o homem pós-moderno vive este paradigma existencial.



(LIMA, Osvaldo. A INDUSTRIA CULTURAL E A FORMAÇÃO DO HOMEM CONTEMPORÂNEO - reflexões a partir da perspectiva adorniana. Brasília: UCB, 2006, p.7)