segunda-feira, 12 de julho de 2010

DA UTOPIA À PRESENÇA - Luigi Giussani

Notas de um diálogo de Luigi Giussani com um grupo de universitários. Riccione, Itália, outubro de 1976

O trabalho é o colocar-se da nossa identidade dentro da materialidade do viver. A minha identidade, enquanto penetra a materialidade do viver, ou seja, enquanto está dentro da condição existencial, trabalha e me faz reagir. Se estou guiando um carro e estou com pressa e no meio da rua há uma pedra, que não permite que eu passe, eis que a minha “identidade de motorista” se torna trabalho: estaciono, pego a pedra e a removo.

Se esta é a primeira coisa a dizer, ou seja, que o método é colocar a nossa identidade e afirmar aquilo que carregamos conosco, a segunda coisa a dizer é que todo o resto vem depois.

O escopo pelo qual ir à universidade é o de colocar dentro da universidade a nossa comunhão. O resto virá depois. “Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 7, 33). Então somos cheios de ironia e de bom humor, porque todas as tentativas de expressão da nossa comunhão que nascem como conseqüência são frágeis, reformáveis, mutáveis. Se o escopo de qualquer ação é a presença do que somos, tornamo-nos livres da inevitável pretensão das formas que a nossa ação assume. A presença “age” por tentativas irônicas, não cínicas; a ironia é o contrário do cinismo, porque faz com que participemos da coisa, mas com um certo desprendimento - reconhecendo a sua fragilidade - e com paz, porque é cheia de paixão pelo Ideal imanente. Assim, podemos ser ágeis para mudar amanhã aquilo que fizemos hoje, livres daquilo que fazemos e das formas que necessariamente damos às nossas tentativas.

O trabalho na condição universitária deveria ser globalmente a redefinição da tarefa que a universidade tem e pela qual vive. Esse trabalho depende do modo com o qual a nossa presença pode “atacar”, no sentido químico da palavra, a universidade naquilo e por aquilo que a universidade é: o estudo, a didática, os relacionamentos, a administração, a atividade política, etc. Será preciso uma longa história - como aconteceu com o cristianismo, que esperou séculos e séculos para formar as universidades - para que amadureça essa redefinição. Mas o nosso programa é a presença daquilo que somos, porque o nosso programa é para o presente. Será uma longa história, que, tirando as conclusões e as articulações da nossa fidelidade, dará a capacidade, a certo ponto, de reformular uma imagem: acontecerá a seu tempo, sem uma pretensão árida e desgastante, nervosa ou impaciente.

O nosso programa é a presença daquilo que somos: um pedaço de humanidade permeada por Cristo, um povo novo que caminha, atravessado pela energia que ressuscitou Cristo. É essa energia - que se chama Espírito - que está vibrando na história e que a leva, a partir de dentro, rumo ao seu destino, que é a manifestação total de Cristo (e só nós somos predestinados a ver os seus sinais).

Mas o que é a universidade, senão a expressão crítica e sistemática de uma experiência de povo, ou melhor, de uma experiência social? A nossa presença colabora para reformular a universidade justamente afirmando e aprofundando, na paciência do tempo, a sua realidade de povo novo. Nesse trabalho, toda presença e a presença de cada um é um fator de cultura, ou seja, um fator de mobilização na história e no tempo para a reformulação das coisas: mesmo uma presença balbuciante e frágil como capacidade de ação, inexpressa ou incapaz de se exprimir teoricamente e como discurso, mesmo a presença do mais psicologicamente pobre entre nós, é útil.

A universidade de hoje é a expressão crítica e sistemática de uma experiência de sociedade atéia, profundamente contrária a Cristo e ao senso religioso que é a alma de todo homem. Por isso, se o nosso programa é tornar presença o povo novo que somos, a nossa unidade e a nossa fé, nós não poderemos vencer, seremos marginalizados em todos os sentidos. Mas isso não tira a possibilidade daquela coragem alegre e irredutível que é a fé: “Essa é a vitória que vence o mundo: a fé”. Nós temos consciência disso porque esta vitória já está dentro de nós: o sinal dela é essa unidade que o mundo não consegue eliminar, que o nosso mundo tão esperto não consegue frear.

Indo adiante, desenvolveremos as implicações desta direção dada ao trabalho. Mas o ponto de partida não é um discurso, um projeto ou um esquema organizativo, e sim uma realidade nova e presente, na qual vive o desejo iluminado e o coração do humano (não importa se somos cinco ou quinhentos).

Tudo está nesta Realidade que carregamos em nós; ai de nós se não nos ajudarmos com toda a alma a trairmos o menos possível de agora em diante.


(Luigi Giussani é fundador do movimento Comunhão e Libertação. Site Oficial: www.cl.org.br)

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